"O desporto nacional precisa do Sporting ao mais alto nível para que os valores que são defendidos não se percam"



quinta-feira, janeiro 3

Aqui fica, na íntegra, a entrevista de João Pinto ao jornal "O Público"

Sem dúvida uma entrevista interessante. Obrigado João Pinto, "O Grande Artista"!

"Sair do Sporting foi o maior erro da minha carreira"

PÚBLICO - Manuel José comparou-o no passado a um frango de 18 escudos, mas o Benfica nem isso pediu por si em 2000. Como encara o modo como saiu da Luz?
JOÃO PINTO - Deixei de ter condições para trabalhar por causa de Vale e Azevedo. Mas o custo zero beneficiou-me, até porque tinha mais quatro anos de contrato.
Teve azar com os treinadores estrangeiros?
Com os que o Vale e Azevedo trouxe. Toda a estrutura estava fragilizada e quiseram sacrificar-me por não ganhar nada há muito tempo, não defender o suficiente e marcar poucos golos. Ainda hoje não sei os verdadeiros motivos que levaram os treinadores [Jupp Heynckes e Graham Souness] a embirrarem comigo. O destino encarregou-se de mostrar que tudo era desajustado.
Esperava o sucesso que teve no Sporting?
Só não esperava ser tão bem recebido pelos sócios. Escolhi o Sporting numa altura em que era assediado por gigantes - depois do Euro 2000, tive dirigentes do Liverpool dentro do meu carro, o pessoal da Fiorentina foi ao hotel da selecção falar comigo, fui contactado pelo Arsenal, o Aston Villa e o Valência. Em Alvalade, davam-me o que pretendia, que era lutar pelo título, andar nas competições europeias e ter acesso à selecção. E um bom contrato de trabalho.
Porque é que o Sporting não o segurou em 2004?
Queria que renovasse e, embora me custe admitir, errei tanto ou mais do que eles nas negociações. Não tive a noção das dificuldades que o futebol português estava a atravessar, nomeadamente o Sporting. Aquilo coincidiu com o meu processo de divórcio e um problema que tinha tido com um sócio. Era um mar de coisas para eu pensar e pouca frieza para decidir. Acabei por escolher a pior das hipóteses. Sair do Sporting foi o maior erro da minha carreira.
A sua transferência para Alvalade está em tribunal por suspeitas de burla, com José Veiga no centro da acção. Como é que está o processo?
Aguardo uma decisão. Anda em fase de investigação e já disse tudo o que tinha a dizer a quem de direito. Em breve saberemos quem fez a denúncia anónima.
Recebeu a totalidade do prémio de assinatura e os valores do contrato com o Sporting?
Não posso falar sobre isso.
Como é que são as suas relações com Veiga?
O contacto diminuiu, mas continuamos amigos. Não tenho razão para deixar de o ser.
E que relação tem com os dirigentes do Sporting?
Boa, como sempre.
Esteve para voltar ao Benfica. O que é que correu mal?
Houve conversas só. Diz-se que alguém lá dentro ter-se-á oposto.
O que se seguiu foi Boavista e Sp. Braga e uma popularidade sem precedentes nesses clubes.
Estava à espera de ser acarinhado no Bessa, onde me formei. O Sp. Braga surpreendeu-me na minha apresentação, com o estádio cheio.
Na última entrevista ao PÚBLICO, lamentou não ter representado o FC Porto. Ainda pensa assim?
Gostava muito de ter jogado lá. Cresci ao lado do velho Estádio das Antas e o FC Porto era o meu clube de pequenino.
Em duas décadas a jogar, ouviu mais os conselhos dos outros ou guiou-se pela própria cabeça?
Se ouvisse os outros, tinha emigrado quando estava no Benfica. Cheguei a ter o Bayern interessado, em 1997.
Arrepende-se de ter ficado?
Não.
Carlos Queiroz foi o treinador que mais o marcou?
Foi um dos... Estava à frente do seu tempo, numa fase de grande mudança no futebol português. Não foi por acaso que fomos campeões do Mundo.
Se o Boavista não tivesse dado uma dúzia de bolas de couro para o levar da Areosa, o que seria hoje?
Jogador. Nasci para isto.


"Não tive a noção das dificuldades que o futebol português estava a atravessar. Acabei por escolher a pior das hipóteses."


"João Pinto, que admite terminar a carreira nos EUA ou no Qatar, recorda com mágoa o afastamento da selecção e critica algumas opções"

Passaram duas décadas, mas João Vieira Pinto lembra-se como se fosse ontem da mudança para o Boavista aos 13 anos - a troco de meia dúzia de bolas de couro -, dos torneios em que foi campeão do mundo de juniores e do momento em que os portugueses começaram a falar na "geração de ouro". O jogador, calmo, comunicativo e equilibradíssimo, a contrastar com a imagem dos primeiros tempos no futebol, quando fervia em pouca água, ganhou muitos títulos e honras após a exibição brilhante de Riade e de Lisboa. Foi campeão no Benfica e no Sporting, chegou aos 467 jogos no escalão principal, marcou 114 golos na Liga e mais 23 na selecção, que representou em 81 ocasiões. Hoje, procura a despedida ideal do futebol português, na certeza de ter fôlego para mais uns meses de competição no Qatar ou nos Estados Unidos. E na convicção de escrever uma nova página dourada, desta feita com a caneta do SC Braga."

PÚBLICO - É inevitável falar da sua passagem pelo Mundial de 2002. A agressão ao árbitro Angel Sanchez foi uma história mal contada aos portugueses?
JOÃO PINTO - De facto, estava com os punhos cerrados e a protestar de forma exagerada e a fotografia mostra o momento em que me encostei ao estômago do árbitro. Como ele fez um movimento de dor, acharam que foi agressão.
Como é que viu o alegado murro de Scolari a Dragutinovic?
Foi mais evidente. Agora, cada um interpreta como quer.
Chegou a pedir desculpas ao árbitro?
Falei com ele na FIFA, pessoa simpaticíssima, com vontade de resolver as coisas. Pedi-lhe desculpa pela reacção intempestiva à expulsão e ele disse-me que, depois de me conhecer, já não me castigaria da mesma forma. No tribunal da FIFA, foi uma das pessoas que mais me ajudaram, para que o meu castigo não fosse exemplar como queria a APAF [Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol].
Ficou decepcionado com a APAF?
Nunca lhes vou perdoar. Enquanto a FIFA e o próprio árbitro tinham dúvidas quanto à agressão, a APAF tinha certezas e fez um julgamento sumário, como se eu fosse a origem dos males do futebol português.
Cortou relações com árbitros?
Não [risos]. Quando falo da APAF, não me refiro a todos os árbitros, até porque alguns já terminaram a carreira. Há árbitros bons e há maus. Dou-me bem com vários.
A federação apoiou-o como esperava?
Fui apoiado, mas tenho a sensação de que não conheci todos os contornos do apoio. Aquilo que vi na altura foi a federação, juntamente com o Sporting e o Sindicato de Jogadores, a tentar amenizar o castigo. Agora, não sei o que foi negociado. Digo isto, porque não faz sentido a federação lutar para que o meu castigo fosse menos grave e depois não me convocarem mais para a selecção.
Quais as verdadeiras razões do afastamento da selecção?
O afastamento foi claramente por causa do castigo. Agora, o que é que foi dito, se foi alguma coisa combinada ou não, não sei. Certo é que não foi o Scolari que decidiu, porque antes dele também não fui convocado. Deve ter havido alguma coisa nos bastidores.
Nunca perguntou a Gilberto Madaíl?
Depois do castigo, não voltei a estar com ele.
Pensou que tudo se ia resolver e ia voltar à selecção...
Cumpri quatro meses de suspensão de toda a actividade, com dois meses de pena suspensa. Na prática, foram dois meses sem jogar, porque os outros apanharam a paragem do campeonato. Estava convencidíssimo que ia voltar quando atingisse os meus melhores índices exibicionais.
Conhece pessoalmente Luiz Felipe Scolari?
Conheci-o no Sporting, porque ele ia às vezes à academia. Cumprimentei-o e pareceu-me simpático, pelo menos naquele momento. Não tive tempo para o conhecer muito nem para falar de selecções.
Olhando a frio, quem perdeu mais: você ou a selecção?
Ninguém ficou a ganhar.
O curioso é que continua na lista dos cinco melhores marcadores das selecções e dos jogadores mais internacionais.
Não passei de forma discreta. Goste-se ou não de mim, ninguém pode apagar o papel que tive na selecção. Guardo a sensação de dever cumprido e é muito bom. Se não tivesse estado na selecção, o futebol não seria nada para mim.
Gosta que se distinga a "geração de ouro" das outras?
Adoro. Começaram a chamar "geração de ouro" ao grupo de jogadores que se destacou depois do Campeonato do Mundo de Juniores de 1989, em Riade, e do Mundial de Juniores de 1991, em Lisboa. Tive o privilégio de ser campeão nas duas vezes. Ouro puro [risos].
O que faltou à sua geração para ser perfeita?
Ganhar um título internacional. Estivemos quase.
Os jogadores que Scolari tem chamado para a sua posição são melhores que você?
São mais novos.
Tem fé e revê-se na actual selecção?
Não dá para comparar com a "de ouro". Ganhar títulos vai ser difícil, mas acredito que temos selecção para continuarmos a ser respeitados a nível internacional
Vai vê-la no Europeu de 2008?
Na televisão.
E se a equipa for à final, vai à Suíça?
Não.
Como vê a naturalização de estrangeiros para jogar na selecção?
Sou contra os estrangeiros na selecção, porque uma selecção deve ser genuína e deve haver um fio de identificação entre os jogadores e entre o grupo e a equipa técnica. Não sou daqueles que gostam de ganhar a qualquer preço.
Eusébio nasceu em Moçambique e é um símbolo da selecção. É um caso comparável?
Estamos a falar de Moçambique, Angola e Guiné, ex-colónias portuguesas até há pouco tempo e com ligação forte à cultura do nosso país. Quem não tem familiares ligados a essas terras? O Brasil é diferente, porque os brasileiros não se identificam com a pátria portuguesa. Sinceramente, não acredito que o povo português seja a favor de tantos brasileiros - já lá estão dois, mais o treinador e ainda se fala na possibilidade de mais naturalizados. Lá porque uma selecção se dá bem, não somos obrigados a imitá-la. O tempo vai mostrar que não é a melhor política.
Porquê?
Portugal tem produzido atletas fora de série e é pena não os aproveitar na selecção. Temo pelo futuro do sector da formação porque estão a chamar estrangeiros para posições onde o talento português abunda. Isto não quer dizer que os brasileiros que lá estão são maus, antes pelo contrário: são óptimos e estão nos melhores clubes do mundo. "

"Agrada-me a ideia de ser director desportivo"

"No futuro, vê-se mais como executivo ou num banco a dirigir uma equipa?
Vejo-me num banco a dirigir um banco [risos]. Agrada-me a ideia de ser director desportivo.
Foi sondado nesse sentido?
No Verão passado, por um clube da primeira liga.
A experiência de gabinete já tem, por força da ligação ao Sindicato de Jogadores.
O facto de ser vice-presidente do sindicato fez-me ver um lado do futebol que não conhecia. Vou continuar ligado, mas desistirei se surgir um convite para trabalhar num clube.
Vê-se numa cadeira de presidente?
Tenho colegas capazes de se sentarem nela. O problema é aceitarem o papel e quererem romper com os vícios do futebol português, que não são poucos [risos]. Quando o sindicato tiver mais votos na federação e na Liga, pode ser que aconteça."

A retirada
"Adorava terminar a carreira nos EUA"

2008 vai ser o ano da sua retirada?

Do campeonato português, sim. Mas posso mudar-me em breve para os Estados Unidos ou para o Qatar, se as coisas forem favoráveis às minhas pretensões. A minha ideia é jogar futebol até ao final da época ou mais alguns meses depois de Maio. Os Estados Unidos são o futebol-indústria na sua mais pura essência: adorava terminar lá a carreira.
Teve convites, portanto.
Há um ano e meio tive um para jogar em Boston, no New England Revolution. Depois tive um contacto de um empresário português que vive na Califórnia e faz parte de uma agência de promoção de actores e artistas. Queria levar-me para Los Angeles, não sei se era para o Galaxy. Sinto-me tentado a aceitar agora, se ainda estiverem interessados.
Como vai ser a sua ponta final na Liga?
Gostaria de acabar no quarto lugar, com uma óptima prestação do Sp. Braga nas competições europeias. Vai ser uma ponta final feliz, por ter estado presente nesta fase de afirmação única do clube.
Quando é que vai regressar à competição?
O diagnóstico feito pelos médicos aponta para mais três semanas de paragem. Estou optimista e estabeleci o final de Janeiro como limite para o regresso, a tempo de participar nos jogos cruciais da Taça UEFA. Acredito que o Sp. Braga pode fazer história frente ao Werder Bremen.
Já deu a entender que não depende do futebol. Isso dá-lhe um desprendimento útil?
Dá. Mais que o dinheiro, é o gozo que me faz correr aos 36 anos. Sinto-me bem fisicamente e, se não tivesse esse gozo, não jogava.
O processo disciplinar que lhe foi instaurado pelo Sp. Braga levou-o a pensar numa "reforma" antecipada?
Entristeceu-me, porque foi uma atitude precipitada do clube. Provei que as acusações eram falsas e tudo acabou bem. Não queria sair assim, orgulho-me do meu profissionalismo. Para sair, que seja pela mesma porta por onde entrei. "

1 comentário:

Anónimo disse...

Ent ja nao falam dos jogos?... :P

Marat Izmailov

Pois é. Nani já lá vai e 25.5 milhões serviram de troca para a transferência. No entanto, não vai ser fácil substituir um jogador como ele. Pelo menos não iria ser fácil(!) já que pelos vistos o Sporting parece ter encontrado o substituto ideal. Um pouco mais velho, 24 anos, mas ainda com margem de progressão (ao contrário do que muito boa gente diz). Chegou a ser considerado, em 2001, o melhor jogador jovem do campeonato russo, tendo depois algum azar, fracturando um dos pés. Faz todas as posições do meio campo para a frente, menos a de ponta de lança (também não era preciso já que o levezinho dá sempre conta do recado...) Acho que podemos confiar nele, até porque os russos têm sempre aquela tenacidade e abnegação que lhes é reconhecida e não se deixam ir em manias e tiques próprios de culturas mais latinas... Aqui fica um apanhado do que ele é capaz de fazer.